28 de novembro de 2009

Pesadelo em Riga



Conto:

Pesadelo em Riga

Na sombria cidade de Riga, capital da Letônia, houve um alerta para a onda de assassinatos em série, acontecidos no último semestre de 2005. Sem deixar rastros ou pistas, o assassino apavorou as mulheres por dias seguidos. A polícia não conseguiu entender de imediato a lógica do psicopata, mas investigou incessantemente cada detalhe dos fatores apontados pela perícia técnica. Foram registradas 15 mortes, duas por dia, aconteciam às sextas-feiras, sempre no sexto dia da semana.
Os casos aconteceram por dois meses seguidos. As vítimas eram nascidas em junho, o sexto mês do ano e em todos os casos, com seis facadas no coração. Junto aos corpos, propositalmente eram deixadas seis rosas vermelhas, cuidadosamente acomodas sobre o peito de cada um dos cadáveres jazidos ao chão.
A polícia sabia se tratar de um doente mental, articulado e meticuloso que precisava que ser freado rapidamente. Todas as delegacias da região foram instruídas e os investigadores trabalharam arduamente sem folga.
O fato que mais intrigava a polícia era a precisão de horários e em diferentes pontos da cidade. Ele matava uma mulher pela manhã, por volta das seis e outra ao entardecer também às seis, na mesma sexta-feira. O número seis era uma fixação para o articulado assassino.
O homicida também deixava marcas de dois pontos, duas pequenas perfurações, no lado direito dos pescoços, próximas à veia jugular. Ele sabia exatamente onde encontrar as jovens, conhecia suas rotinas, seus horários e todas elas haviam recém completado vinte e quatro anos.
A décima quinta vítima foi Cibele Vaush, uma enfermeira da Casa de Saúde. Foi justamente quando acabou seu plantão e ela se dirigiu ao estacionamento do hospital para apanhar o carro. Ao abaixar a cabeça para pegar as chaves do carro na bolsa, sentiu a mão gelada tapar-lhe a boca.
Já começava a amanhecer, ela foi pega num momento de distração e não teve tempo para se defender nem gritar.
Cibele foi encontrada caída ao chão, ao lado do seu carro. As chaves ficaram espalhadas ao seu lado. As características conferiam com os outros casos. O corpo esfaqueado, perfurações no pescoço, contabilizou-se novamente seis facadas no coração e seis rosas vermelhas sobre o peito.
A perícia foi chamada e ao apanhar as chaves do chão, perceberam algo que poderia ser uma pista do demente. Foi encontrado um botão preto, possivelmente de um sobretudo, cravado Dior. Concluíram se tratar da grife Christian Dior.
Com este detalhe, avaliaram se tratar se alguém de poder aquisitivo razoável, talvez classe média alta. Supunham serem roupas caras e não populares, portanto os lojistas deveriam disponibilizar poucas unidades.
Morgan e Kali, investigadores, estavam trabalhando neste caso. Checaram as lojas que vendiam esta grife. Eram só três na cidade e o botão era realmente de um sobretudo, do lançamento da coleção de inverno do ano anterior. Sabiam também que cada loja havia recebido apenas doze unidades de numerações variadas. Um perfil já poderia ser traçado.
As lojas possuíam cadastro de seus clientes, pois divulgavam regularmente lançamentos e promoções por mala direta.
Os investigadores partiram para a maratona de varrer a cidade atrás do assassino. Separaram alguns nomes como prováveis suspeitos. A averiguação foi iniciada e partiram para um trabalho mais apurado.
Precisavam ser cuidadosos para não dispersar o investigado.
Riga é uma cidade portuária e está ligada com Ferry-boats para Estocolmo (Suécia), Kiel e Lübeck (Norte da Alemanha) e a fuga seria imediata.
Chegaram ao nome Marlon Vix, um senhor recatado, funcionário de uma universidade. Morava sozinho e tinha poucos amigos. Desde que a mãe morrera ficou cada vez mais recluso e raramente frequentava lugares públicos, a não ser a biblioteca central. Ali, as visitas eram regulares e ele tinha acesso a tudo, a qualquer informação. Era o maior centro de pesquisas da região.
Marlon vivia em Riga e desde que fora adotado por uma família. Deles, recebeu um novo sobrenome. Muito discreto, não ostentava riqueza, mas vivia cercado de todo conforto. Possuía um ótimo carro e morava em um condomínio de bom padrão.
Devido à proximidade do mar, Riga tinha muita neblina e isto dificultava um pouco para seguir alguém. O condomínio estava localizado ao lado de um bosque e Marlon saía com seu cão, um Samoieda, regularmente depois que anoitecia.
Marlon foi adotado aos dez anos por Wilgan e Susan Vix. Viveu em um orfanato até então e passou a morar com o casal Vix, depois de sua adoção.
Depois das inúmeras avaliações dos cadáveres, passaram a procurar pelo vampiro de Riga, por causa das marcas nos pescoços das vítimas.
Morgan e Kali esperaram pela próxima sexta-feira e antes das seis da manhã, ficaram no encalço de Morgan. Não deu outra, no momento em que ele saiu de casa, seguiu uma moça e justamente quando ia se aproximar da décima sexta vítima, o prenderam. Ele estava com um sobretudo preto e faltava um botão. Desta vez ele não conseguiu saciar sua sede, argumentaram Morgan e Kali. Prenderam-no.
Marlon, foi detido e trancafiado, ficou atrás das grades sem direito a protestos. Solicitou que contatassem seu advogado. A cidade inteira respirou aliviada com esta prisão. A notícia se espalhou rapidamente em manchetes extras nos meios de comunicação. As rádios em caráter extraordinário transmitiram na mesmo instante.
Pensavam que a rotina voltaria saíram de suas salas para um café. Pensavam em qual seria o próximo trabalho.
A cidade de Riga também respirou aliviada com esta prisão. Este era um dos assuntos mais comentados ultimamente em todas as rodas sociais e a população por hora se tranqüilizou quanto a este fato.
Passava do meio-dia o Instituto de Investigação recebeu em chamado anônimo. A telefonista da central telefônica transferiu a ligação para Morgan e disse: encontraram um corpo de mulher próximo ao porto. Morgan e Kali saíram imediatamente, nem terminaram o café que estavam tomando.
Ao chegar ao local, viram o corpo de uma jovem esfaqueada. Seis facadas no coração, uma mordida no pescoço e um ramalhete com seis rosas vermelhas. Entreolharam-se. Não é possível, disseram.
Chamaram a perícia e levaram o corpo ao necrotério e o legista começou o trabalho para precisar o horário da morte. Para surpresa geral, aquela morte ocorreu por volta das seis da manhã. De modo que sabiam que teriam que recomeçar todo o processo de investigação. Tinham cometido uma falha, prenderam um inocente.
Descobriram depois, que Marlon Vix era também um investigador independente e estava neste caso porque uma das vítimas era enteada de um amigo da família. Só que não lhe deram a oportunidade de falar. No dia de sua prisão, o assassino percebeu a movimentação de ambos e recuou.
Morgan e Kali haviam prendido o homem errado. O assassino continuava solto. Poderia agir a qualquer momento. O alerta máximo foi acionado de novo.
Por onde começariam desta vez? Não tinham nem ideia.

Rosi Caobianco
Novembro/2009

25 de novembro de 2009

O mistério do poço



Conto:

O mistério do poço


“Vende-se casarão estilo barroco”. Este era um anúncio que permaneceu na seção classificados durante meses e não havia meios de substituí-lo das páginas de compra e venda de um jornal de uma pequena cidade. A placa de “vende-se” do imóvel, já danificada pelo tempo, seguiu mesmo caminho da depreciada casa que começava a ruir. Era perceptível o quanto vinha sendo ignorada, era como se fosse uma punição pelos boatos de um suposto crime acontecido ali há décadas atrás.
A pintura estava desgastada, musgo por toda parte e tinha uma penumbra de energias negativas, nitidamente sentida por quem ali circulava. A banca de jornal em frente, também estava desativada, parecia fazer companhia com o abandono do local.
Um mistério sempre rondou aquele imóvel. Há quem diga que à noite ouve-se um choro de criança. Desconfiam que permaneça ali uma história interrompida. Para os supersticiosos, a casa é sinistra. Pensam que durante o inverno não há o que temer, fica apenas sombria. Só no verão é que a casa se torna um pouco mais assustadora. É como se o verão acordasse os mortos e os incentivasse a vagar ao do luar.
O que quase ninguém imagina é que ali ainda mora um antigo empregado da família Demistein. Idoso, Clébis vive sozinho de recordações e seu apego ao local. Depois da morte dos patrões, algo não o deixava partir. Fiel, permaneceu na casa como se quisesse ainda proteger os antigos donos.
Clébis ficou enraizado naquele lugar, como as inúmeras árvores do quintal, acompanhado do anjo da morte.
Um tanto quanto perturbado com o passado daquela família, dizia aos corretores de imóveis ou quem aparecia por lá: “Vá direto ao poço!”.
Era como se quisesse alertar para uma tragédia, mas ninguém dava crédito a ele. Tinha aparência e atitudes de alguém que estava fora de seu juízo, mas Clébis tinha esperanças de que alguém um dia o ouvisse e verificasse aquela cavidade abertano solo. Sua idade avançada, não permitia que descesse e verificasse aquele poço. Tinha certeza que a caçula Meg, como era chamada, sobreviveu ao cair lá, no dia em que completou seis anos de idade.
Clébis a ouvia cantar e às vezes chorar, nas noites de verão.
Clarice era mãe de Meg, no dia do acidente havia se desentendido com marido. Discutiram junto ao poço e acidentalmente o marido tropeçou, caindo por cima dela, derrubando-a no poço. Meg queria salvar a mãe e escorregou também. O pai, Arthur, transtornado, tentou salvá-las, jogou uma corda tão rápido quanto pode e foi para o fundo e desceu, mas também não mais voltou.
Um grande mistério permanecia naquela casa amarela. O estilo barroco de sua edificação tinha sua história, pois vinha acompanhando várias gerações de artistas plásticos. O pai de Arthur foi um renomado escultor, primo da madrinha de Clarice, uma pintora impressionista, um movimento artístico surgido na pintura européia, no século XIX. Clarice era fã de Claude Monet. Inspirava-se em vários trabalhos do artista ao fazer seus esboços, ambos adoravam pintar flores nos jardins como as ninféias, de Monet.
Inspirado neste cenário, Arthur tornou-se um introspectivo escritor. Saboreava-se com os textos de Cervantes, romancista, dramaturgo e poeta espanhol. Muito conhecido pela obra “Dom Quixote de La Mancha”. O escritor ficcionista inspirou-lhe muitos textos realistas. Dom Quixote tinha um fiel amigo, o Sancho Pança, do mesmo modo que Arthur contava com a amizade de Clébis, do qual suas aventuras amorosas eram desmentidas toda vez que a esposa desconfiava de algo.
A obra de Cervantes foi estruturada também numa contextualização barroca delimitada entre a fantasia e a realidade. O presente e o passado faziam de ambos, Cervantes e Arthur, parceiros de seus contrapontos do que seria o ideal intervindo em seu presente, ou melhor, em seu casamento.
Arthur era um sonhador, nunca tinha sido um realizador. Somente fazia planos e não os concretizava, o que deixava Clarice incomodada e descontente. E dali partia os dilemas e desentendimentos do casal.
Clébis vivia em meio a este dilema de desajuste familiar, mas adorava aquela família como se fosse a sua própria. Trazia dentro de si a amargura de terem desaparecido e suas histórias interrompidas tragicamente.
A menina Meg fora sua pupila, dava-lhe total atenção, contava-lhe causos, amava-a realmente. Sonhava com ela frequentemente como se quisesse trazê-la de volta. O afeto era tão suntuoso que o deixava sem ar, da falta que faziam em seu dia-a-dia. Sentia-os presentes ainda na casa.
Clébis esperava o anoitecer ansiosamente. Era sempre a oportunidade de vê-los novamente. Conversava com todos em seu imaginário, ou quem sabe permaneciam presentes ali.
Este caso nunca foi solucionado. Não foram encontrados os corpos. Simplesmente foram engolidos pelo poço. Somente Clébis sabia onde estavam.

A resposta do dilúvio



Conto:

A resposta do dilúvio

O gerente comercial Felipe Marcelino graduou-se em Administração de Empresas. Era o sonho de o seu pai ver os filhos encaminhados na vida. Felipe cresceu ouvindo histórias contadas pelos pais e nunca imaginou que uma destas poderia fazer parte de sua vida. Já adulto, com trinta e cinco anos, nunca quis casar, sempre tinha uma namorada, mas seus relacionamentos nunca davam certo.
Um dia, levou uma delas passar um final de semana em sua casa de praia. Depois de mostrar a casa, no quintal, apresentou-lhe uma frondosa figueira. Explicou-lhe o porquê de sua ligação com aquela planta.
A imponente árvore foi plantada no mesmo ano em que Felipe veio ao mundo. Orgulhoso a descreveu-a como uma Ficus, da Família Moraceae, composta de 61 gêneros e mais de 1000 espécies, muito bem representada no Brasil. E esta, uma Ficus elastica. Também conhecida por falsa-seringueira ou figueira-branca. Ouviu isso do pai a vida inteira e nunca mais se esqueceu de como deveria apresentar a sua figueira. Foi uma homenagem que o pai fez a ele quando nasceu.
O que não sabia era que em algumas culturas, havia um mito desta planta transmitir azar e energias negativas.
Damaceno Marcelino o patriarca, teve três filhos, duas meninas e um menino. Para cada filho plantou uma muda diferente de árvore e o nascimento de Felipe estava ali representado naquela figueira . Ela tornou-se imponente e majestosa, mas sem querer, reavivou um grande mistério.
Durante as temporadas de verão passadas no litoral, Damaceno nunca se preocupou com a previsão do tempo nas férias. Somente queria descansar do desgastante ano letivo como professor universitário. Começou a prestar mais atenção na meteorologia depois do que pareceu ter sido uma tempestade e causou a maior balbúrdia em sua propriedade. A tal chuva, veio como um dilúvio e deixou o quintal da casa à mercê das águas e completamente alagado. Ocasionou com isto o desmoronamento dos muros, para escoar a água represada.
A preocupação da família consistia exatamente na figueira de Felipe em frente à porta da cozinha. Uma ossada apareceu entre suas raízes depois desta chuvarada que durou semanas. Talvez o mau tempo quisesse desenterrar um passado que parecia ter sido escondido a sete chaves.
A polícia foi chamada para verificar o achado. Damaceno não fazia idéia de quem era o corpo encontrado e junto à perícia técnica avaliaram que o mesmo poderia estar enterrado ali há mais de quarenta anos. Concluíram que as raízes da árvore se avolumaram tanto que foi envolvendo o cadáver e sem querer deixando-o mais a mostra na superfície arenosa. Era como se estampar aquela realidade enterrada há muitos anos.
Ano após ano, a figueira foi deixando saliente sua enorme raiz para fora da terra. O grande volume de água represada carregou boa parte do solo arenoso concentrado a sua volta. A cova não devia ter sido muito funda quando enterraram aquele corpo, concluíram.
Damaceno comprou a tal propriedade quando se casou com Maria Tereza. Construíram uma casa de veraneio modesta na época e foram ampliando a edificação com o passar do tempo. Nunca suspeitaram de nada. Sabiam que o antigo dono era um homem de idade avançada e que vivia só desde que a esposa falecera depois de um ataque do coração. Petrônio Pontes possuía dois terrenos, um com a casa em que morava e outro onde cultivava um belo canteiro de flores, e árvores, de onde raramente se distanciava. Só vendeu a propriedade porque também adoeceu e ficou impossibilitado de cuidar de tudo. Parecia que a tristeza tomou conta dele ao ter que afastar-se de sua moradia. Morreu algumas semanas depois. Foi como se o infeliz tivesse sido se separado do elo que o mantinha vivo.
A resposta que a perícia técnica esperava ouvir só poderia vir do antigo proprietário, mas como ele já era falecido, não tinha mais a quem recorrer. Supunham que o corpo tenha sido da esposa de Petrônio, pois correspondia ao de uma mulher. Não existiam registros com o nome dela em cemitérios da cidade nem de túmulo com a inscrição de Inezita Pontes, apenas uma certidão de nascimento e casamento no cartório local e atestado de óbito registrado no hospital.
Os poucos conhecidos que permaneciam ainda vivos diziam que Petrônio e Inezita viveram um amor como nunca descrito. O carinho com que se tratavam era contagiante, falou o velho pescador do vilarejo, um jovem naquela época. “Toda vez que apareciam por aqui nos barcos para comprar peixe fresco, vinham de mãos dadas”, disse Clemente. Nunca mais ouvi falar deles.
Este caso na verdade, ficou sem respostas concretas, não tinham como comprovar. Existiam apenas comentários e suposições. Os mais supersticiosos achavam que Petrônio Pontes fora enterrado longe da esposa e ele agora estava sugerindo, ou melhor reivindicando como podia, dentro das circunstâncias de pós-morte que Inezita fosse enterrada ao lado do marido.
O corpo da mulher foi encontrado no quintal de Damaceno, no mesmo dia que foi constatada a morte de Petrônio e por coincidência, no mesmo horário do atestado de óbito registrado no hospital. Até parecia que Petrônio tinha um pacto com a mulher de viverem para sempre um ao lado do outro, vivos ou mortos.
Damaceno alimentava também este pensamento e solicitou a remoção dos ossos do seu quintal para o cemitério da cidade. Solicitou junto aos órgãos competentes do município que a ossada fosse enterrada em uma tumba , ao lado, no túmulo de Petrônio Pontes, marido da suposta morta.
Para simbolizar a morte deles, Damaceno plantou outra figueira, à beira mar e nos dias de maré alta, a água verde subia até a figueira gigante e vinha varrendo todo aquele passado que ficou enterrado no cemitério da cidade, levando a paz eterna a Petrônio e sua amada Inezita. Selou desta forma, aquela história de cumplicidade em uma placa cravada à base do caule da árvore: “Aqui jaz um grande amor – Petrônio e Inezita”.

24 de novembro de 2009

Gárgulas...

Gárgula

De onde surgiram? Entre muitas lendas e ficções contemporâneas, estes seres de aparência grotesca e ferozes encontram-se em diversas edificações, com a missão de serem guardiões das contruções. E na arquietura, utilizados para escoar água de chuva.



Para exemplificar, há o Mosteiro de Batalha, Batalha, Portugal.

4 de novembro de 2009

A carta



Conto:

A carta


Juçara e seu marido Plínio foram para casa, depois de um exaustivo dia de trabalho. Eram proprietários de um comércio de secos e molhados em uma pequena cidade no interior de Minas Gerais. Voltavam para casa a pé como de costume. Ao chegarem às esquinas das Rua Vicente Celestino com a Rua São João, algo chamou atenção deles. Depararam-se com velas vermelhas, presentes, charutos e bebidas acomodados cuidadosamente no chão, sobre uma toalha xadrez.
Deduziram tratar-se de um despacho. Juçara se sentiu atraída pelos pacotes deixados ao lado das oferendas. Chamavam a atenção pelos laços de fita coloridos e de como foram embrulhados com capricho. Plínio, o marido, intrigou-se com o envelope azul. A carta foi estratégicamente colocada ao lado dos objetos.
Supersticioso, Plínio não deixou Juçara tocar nos embrulhos.
- Deixa isso para lá, mulher. Vamos logo embora.
Novamente seguiram o trajeto para casa, os filhos os esperavam para jantar e já era tarde. Estavam atrasados, demoraram um pouco mais neste dia por causa do balancete mensal.
O tempo estava arredio, ameaçava chover e caminhavam rapidamente.
Sem mais nem menos, Juçara sentiu uma estranha sensação de que alguém os seguia. Olhou para trás várias vezes, mas não viu ninguém. A casa deles parecia distante, mesmo estando a apenas alguns minutos dali.
Querendo ou não, teriam que passar pela lateral de um loteamento que diziam ter sido um cemitério indígena. A aparência do local era sempre sinistra em rua de pouco movimento de pessoas e de carros, principalmente à noite.
O cemitério, com o passar dos anos ficou completamente abandonado. Havia somente algumas pedras sobrepostas e árvores com barbas de velho. O local não tinha muros, nem cerca, nem nada. Apenas mato, pedras e mais pedras. As pedras demarcavam onde eram enterrados os mortos.
No silêncio da noite, não tinha como não ouvir o zumbido do vento e os ouvidos ficaram em estado de alerta.
Os moradores mais antigos contavam que antes do mapeamento da região, uma tribo de índios nativos havia sido dizimada. Os que resistiram ao ataque foram empalados por suas cabeças a mando dos coronéis, os desbravadores daquelas terras. Comentava-se ainda que entre os índios assassinados, existiu um curandeiro xamã e que seu espírito vagava pelo cemitério todas as noites pela crueldade de tais atos.
Ao se lembrar desta história, Juçara preocupou-se em passar por ali.
De repente ouviram um som que os assustou. Era o de uma coruja. Sentiram um frio percorrer pela espinha, todos sabiam que o pássaro era sinal de mau agouro.
Juçara continuou com a sensação de estarem sendo seguidos. No escuro, tentava pensar nos filhos. Só queriam chegar logo e rever as crianças, para em seguida liberar a pessoa que cuidava deles durante o dia.
Relâmpagos estremeceram ao passarem por aquele local. Raios estamparam-se pelo céu, como um show macabro de som e luzes. Andaram o mais rápido que puderam para escapar da chuva. Puderam ouvir também o som dos cães latindo furiosamente para o nada.
Juçara disse para o marido que estava com medo e agarrou-se ao braço dele para continuarem o trajeto.
Alguns pingos começaram a cair. Não tardou para a chuva aumentar. Pararam sob a marquise de um imóvel abandonado na próxima rua para se proteger. Faltavam poucas quadras para chegarem em casa.
Parados ali, de repente perceberam sussurros que pareciam entoar um cântico ritualístico. Ouviram gemidos e gritos abafados vindos detrás das paredes do casarão em ruínas. Entreolharam-se como se não acreditassem naqueles sons. Apavorados saíram dalí correndo, mesmo debaixo de chuva, sem ao menos olharem para trás.
Chegaram em casa ofegantes por terem corrido sem parar. Entraram rapidamente e bateram a porta, ainda trêmulos. Benzeram-se com o sinal da cruz. Verificaram que seus filhos estavam bem e agradeceram a Deus por se encontrarem dentro de casa.
Juçara e Plínio mal conseguiram dormir naquela noite, pelo medo que passaram. Ficaram relembrando dos sons que os deixaram apreensivos e assustados.
A noite foi longa para os dois. Assim que amanheceu, Plínio retornou ao trabalho pelo mesmo caminho de sempre. Juçara trabalhava com ele só no período da tarde, de manhã cuidava da casa e dos filhos.
No meio do caminho, Plínio avistou de longe um andarilho alto e pálido, parado em frente ao casarão abandonado, mas algo lhe chamou a atenção. O homem segurava a carta de envelope azul, exatamente igual aquela que vira no despacho na noite anterior naquela esquina.
Intrigado, observou aquele homem que pensava ser um mendigo. Ele levava consigo apenas uma mochila velha e sentou-se abaixo da marquise para ler o conteúdo da carta. Fechou os olhos como se relembrasse de alguém. Guardou carta na mochila e Plínio percebeu que os presentes também estavam com ele.
Plínio para ser discreto na observação, atravessou a rua e atentou-se para a camisa encardida dele. Parecia que estava suja de sangue. Se perguntou quem era, mas não se lembrava de tê-lo visto antes.
Ao chegar ao trabalho, Plínio comentou com um freguês, o primeiro que apareceu naquela manhã, sobre o acontecido da volta para casa na noite anterior.
Incrédulo, Plínio ouviu o homem contar que a casa abandonada pertenceu ao coronel Afrânio Silveira.
O coronel Silveira, era um dos nomes mais respeitados entre as autoridades da cidade. Ouviam dizer que ele contratava matadores e estes faziam justiça com as próprias mãos sempre que algo saía do planejado. Os boatos eram de que o coronel havia se suicidado.
O freguês comentou ainda que no enterro do Dr. Afrânio, durante o sepultamento, ouviram seis badaladas de um sino. O som causou desconforto a todos, pois não existia nenhuma igreja por perto. Depois deste fato, souberam que se tratava da mais temida das superstições. Quando um sino baladasse seis vezes em um velório significava a passagem do morto pelos portões do inferno e este voltaria em forma de uma criatura sedenta de sangue.
As más línguas diziam que Afrânio Silveira teve uma amante e manteve esta paixão secreta por longos anos. Até hoje, ninguém descobriu de quem se tratava. Comentam que quando o casal não podia se encontrar dialogava então por cartas. Foi um romance do tipo impossível de se concretizar, pelo fato de ambos serem casados. Tudo foi interrompido com a tragédia do suicídio do coronel, inconformado com a vida dúbia que levava.
Plínio ficou sabendo também de que todos os anos, presentes eram colocados em uma determinada encruzilhada, na data de aniversário do coronel Afrânio. Mais precisamente em outubro, mês de aniversário dele. Isso já se repetia há duas décadas. Comentava-se na cidade que poderia ser alguém querendo homenageá-lo.
Plínio já ia se esquecendo dessa história, quando três dias depois, comprou o jornal de manhã, como de costume, para ler as novidades do dia. Ao folhear as páginas, parou atônito com a reportagem do casarão abandonado. Havia uma fotografia do imóvel depreciado e outra ao lado, do coronel Silveira estampadas ali. Na página seguinte, o texto apontava para um crime que ocorrera na noite anterior nas dependências do que restava da velha casa. Um homem apareceu morto, possivelmente um morador e rua e não haviam evidências de como acontecera o crime.
Perplexo, com a coincidência da matéria, sobre a arquitetura clássica do imóvel abandonado. Era parte do patrimônio do que pertencera ao coronel Afrânio Silveira.
Dr. Afrânio tinha sido um homem que fez parte da política local, assim como outros pioneiros e fundadores da cidade.
Plínio estava pasmo com a semelhança do coronel, com o andarilho que tinha visto em frente ao casarão dias atrás. Pensou consigo - Não pode ser... Aquele homem é muito parecido com o coronel. Sem acreditar, pensou que poderia ser fantasma do coronel morto há anos. Não! Não... Isto não existe, mas continuava a se perguntar - Será que ele vinha buscar as cartas da amada? Ele morreu, ou não morreu? Quem era aquele homem então?
A polícia não encontrou no local, nenhum vestígio do criminoso. O morto provavelmente debateu-se antes de ser ferido, estava com as roupas rasgadas. Para aumentar o mistério, havia marca de uma mordida em seu pescoço.
Diante de tantos questionamentos, Plínio contou para Jussara assim que a viu na loja à tarde. Depois disso, a população evitava sair à noite. Tinham medo do que poderia ser um vampiro. Não queriam ser a próxima vítima.
Sensibilizados e preocupados com o drama, Plínio e Juçara, mandaram rezar uma missa por mês, por sete meses, para as almas, para que o coronel descansasse em paz. E principalmente para que também pudessem ter mais tranquilidade para retornarem para casa à noite, depois do trabalho e não mais encontrar com almas penadas pelo caminho.
A verdade? Nunca souberam... Tampouco encontraram novamente com o fantasma ou quem sabe, o vampiro.

Rosi Caobianco
Novembro/2009

29 de outubro de 2009

Sessão da meia noite



Conto:

Sessão da Meia Noite

Convites foram distribuídos para o “Black & Red Day”. As grandes portas do teatro iriam abrir às onze da noite. Calma, gente, não empurra, gesticulava Georges, o fã número um do ator Theo, o vampiro. Empolgados, os convidados não conseguiam controlar a ansiedade enquanto aguardavam na fila para entrar no Teatro Constantinopla. No primeiro andar, serviam um coquetel para promover o lançamento de produtos e também a divulgação da peça para os meios de comunicação.
A apresentação estava marcada para iniciar exatamente à meia noite. O cenário tinha sido idealizado especialmente para este encontro com o público. Câmeras de televisão, fotógrafos, jornalistas e organizadores do evento, andavam de um lado para o outro. Estavam preocupados em registrar e atender os apreciadores do suspense e do terror.
No hall de entrada, foram diversos drinks em cálices vermelhos com líquidos borbulhando. Tudo ostentava grande riqueza de detalhes na decoração, o que deixava o evento mais enigmático.
Durante o happy hour, aconteceu também o lançamento do perfume “Blood”, elaborado com uma fragrância indecifrável, mas de um agradável aroma floral. Convidados compareceram caracterizados em roupas pretas e exibiam-se com sangue falso escorrido em seus corpos. Parecia Halloween, o dia das bruxas.
A sinergia tomou conta do ambiente e a conversa seguiu animada até dar início ao espetáculo. Foram contratados figurantes e estes desfilaram com longas capas escuras, pretas por fora e vermelhas por dentro. Também usaram capuzes pretos pontiagudos que desciam pelos rostos e apareciam apenas os olhos. Seguravam grandes candelabros, com três velas vermelhas acesas. A penumbra do ambiente dava exatamente a sensação de um filme de terror.
Os observadores precisavam de esforço extra para distinguir o que havia de real nas caracterizações dos convidados presentes. Alguns vieram portando máscaras e deixaram de revelar suas identidades.
Em nada havia conexão com a realidade, mas o objetivo era exatamente este, deixar os pensamentos imperfeitos aflorarem, bem como seus instintos selvagens. Compareceram grupos pertencentes a diferentes seitas.
Lindas modelos desfilaram em vestidos estilizados e complementavam com lentes de contato vermelhas. Sorridentes, distribuíram amostras do perfume em pequenos frascos pretos em formato de um crânio.
O som ambiente estava composto somente por músicas clássicas. O som mais tocado foi o de Beethoven, com a sinfonia número cinco e também, a de número oito. Não se podia negar o bom gosto entre as incursões fantasiosas.
A sineta sinalizou a primeira chamada para o espetáculo. No terceiro toque, as portas junto ao palco foram fechadas para dar início à apresentação. O público acomodava-se em suas poltronas, na platéia e nos camarotes. No palco, as cortinas continuaram fechadas para manter o suspense.
Em seguida, uma composição de Tchaikovsky. Começou a tocar Romeo&Juliet e as cortinas se abriram. Na apresentação, Theo incorporava o personagem de um vampiro e posicionou-se junto aos outros atores. Talentosos, fizeram interpelações com pessoas e interagiam o contexto da peça com o público. Vinham até eles e circulavam pela platéia. A apresentação foi um sucesso e ao final os atores foram aplaudidos de pé.
Novamente no hall, alguns convidados circularam como zumbis, pálidos e de olhos inexpressivos. Os drinks fizeram o efeito premeditado.
Quase ninguém percebeu, mas verdadeiros vampiros circulavam por ali anonimamente. Vlad, o Drácula, também estava por lá. Vlad nasceu em 1431 na Transilvânia. Nessa noite, ele estava ansioso por aquele banquete de gente nova, assim como seus descendentes e amigos que o acompanharam nesta visita. Transitaram entre a multidão sorrindo de modo cortês e aguardavam uma oportunidade para abastecer suas reservas de sangue. Para eles, o evento estava memorável. Sabia que não precisaria correr atrás de ninguém, muito menos implorar por gotas de sangue, já que poderiam escolher as presas de suas preferências.
Os devaneios aconteceram depois da bebida distribuída e da essência de flores silvestres espalhadas no ar. Sem se darem conta, alguns deliravam ou adormeciam pelos cantos do salão e outros andavam em transe.
Enfileiravam-se frente aos verdadeiros vampiros. Queriam chegar ao êxtase e extravasar. Esta era a chance de deixarem aflorar o que estava enrustido em suas mentes. Seus corpos pediam por aquelas emoções.
Os vampiros convidados haviam combinado anteriormente que não matariam nenhum de seus escolhidos, apenas se divertiriam e saciariam a sede de sangue.
O sucesso era perceptível, pelos comentários e expressões maravilhadas.
A festa chegou ao final. O dia já estava amanhecendo. Os primeiros raios de sol brilharam nas janelas e os vampiros reais se retiraram como em um passe de mágica. Restaram apenas os figurantes e alguns convidados.
O público recobrou a consciência aos poucos e começavam a deixar o local como se nada de estranho tivesse acontecido. Retiravam-se sem se dar conta da realidade que ali viveram. Por ironia, sentiam-se satisfeitos com a diversidade de espécimes, vistos nessa noite.
Theo, como ator principal, estava radiante com o sucesso do evento. Ouviu vários comentários favoráveis. Distribuiu autógrafos a quem o procurou e aproveitou para homenagear seus fãs.
Com um carimbo todos receberam em seus pescoços marcas de dois dentes e sangue escorrido devido a cor de tinta vermelha. Presenteou-os também com uma mini-agenda para datarem novos encontros vampirescos.
Saíram com a promessa de um reencontro com Theo, Vlad e os outros vampiros. Possivelmente, em outra sessão da meia noite.

Rosi Caobianco
Outubro/2009

A espera do reencontro



Conto:

A espera do reencontro

O dia começou chuvoso no sítio Santa Marta. Clarice estava com treze anos e preparava-se para ir à escola em uma condução escolar cedida pela prefeitura. Diariamente o veículo, se é que poderia chamá-lo assim, apanhava um grupo de adolescentes e levava-os à escola municipal. Poderiam inscrever-se em maratonas de tanto que andavam todos os dias.
Clarice caminhava quase dois quilômetros até o ponto de parada do ônibus, onde se encontrava com alguns colegas. Ficavam parados na porteira de um sítio vizinho, para levá-los à escola. Felizmente podiam contar com aquele transporte para chegarem ao colégio na cidade. Já no ponto, observou seus pés enlameados. Estava encharcada também e pensou na bela maneira de começar o dia.
Junto ao grupo, esperaram alguns minutos e lá veio ele, capengando para apanhá-los. O velho Ford havia sido doado pelo antigo prefeito para favorecer aquela comunidade ribeirinha.
O ônibus mal conseguia andar de tão ruim que estava o seu estado de conservação. Os bancos eram horríveis, faltavam alguns cintos de segurança e tinha uma pintura tão ruim que não dava para definir sua cor original. Era de um amarelão, quase em tom de ferrugem pelo seu estado deteriorado. O motor soava barulhento e chiava todas as vezes que o motorista, o Sr. Carlão, freava o dito cujo.
Clarice gostava de sentar-se com Fiorela no último banco. Eram quase da mesma idade, se identificavam em vários assuntos e conversavam até chegarem à escola.
Neste dia especialmente, Clarice contou a Fiorela o sonho que tivera durante a noite. Havia sonhado com um lobisomem. No sonho, encontrava-se em um alojamento de uma determinada excursão. Lembrou-se de que estavam reunidos em grupos naquela noite de lua cheia. Ao seu lado, um belo garoto se aproximou dela e da amiga. Parecia pálido e muito magro. Sua amiga Marta logo puxou conversa com ele. Chamava-se Paulo e tinham quase a mesma idade.
Clarice observou atentamente os jovens presentes deste final de semana organizado pela escola. Meio desconfiada com as novas amizades, manteve-se distante de novos relacionamentos. Paulo e Marta conversaram boa parte noite, até recolherem-se para seus quartos. Ele acompanhou as duas até o alojamento delas e marcou um novo encontro para o outro dia. Marta estava visivelmente empolgada.
Cismada, Clarice tentou aconselhar a amiga de que nem bem o conheceu e já tinham marcado outro encontro. Não gostou muito disso, mas não podia fazer nada. Marta nem lhe deu ouvidos, estava motivada em vê-lo novamente.
Encontraram-se no almoço do dia seguinte. Clarice percebeu que eles ficaram de sair mais tarde, para dar uma volta só os dois. Iriam andar pelo bosque que rodeava aquela colônia de férias. Neste dia, ele completava treze anos.
Marta percebeu que Paulo estava mais pálido que na noite anterior. Logo que o viu no almoço, perguntou se ele estava bem. Pediu para que ela não se preocupasse e respondeu que sim. Não tocaram mais neste assunto. Saíram no final da tarde, conversaram e se conheceram melhor. A química já estava maior entre eles. Marta só falava sobre Paulo para Clarice. Ficaram de se ver a noite também.
Marta e Paulo saíram para caminhar novamente. A noite estava linda e uma bela lua fazia companhia a eles. Sentados à beira do lago, beijaram-se. Foi o primeiro beijo de Marta. Dificilmente ela se esqueceria deste momento.
Logo veio o toque de recolher e a garotada seguiu novamente cada um para o seu alojamento. Nesta noite especialmente, Marta e Clarice ouviram lobos uivar. Não conseguiam pegar no sono, além da conversa que seguia solta, o barulho intimidador dos uivos não as deixou dormir. Parecia bem próximo de suas janelas. Estavam um pouco temerosas e não tiveram coragem de abrir a porta.
Ao amanhecer, perceberam pegadas próximo da janela, do quarto onde estavam. Paulo não apareceu neste dia. Marta ficou triste, mas mesmo assim interagiu nas atividades da colônia de férias. Sentindo falta de Paulo, perguntou por ele e disseram que ele havia ido embora. Desapontada, disse para Clarice que ele deveria pelo menos ter se despedido dela.
O tempo passou e nunca mais se viram. Um belo dia, depois de um bafafá na cidade, correu um boato de que Paulo, o garoto do acampamento, de tempos em tempos transformava-se em lobisomem.
Diziam que tudo havia começado quando ele completou treze anos, em uma noite de lua cheia. Comentaram também que ele vagava pela região e pelos pátios das igrejas, vilas e encruzilhadas. Por onde ele passava, açoitava os cachorros da vizinhança. E para sua surpresa, os muros começaram a aparecer pichados com o nome “Marta”. Parecia que eram escritos com sangue pelo tom da tinta vermelha. As más línguas diziam que aquele garoto nunca havia sido batizado.
Sem poder acreditar, Marta correu para contar para Clarice. Será que ele procurava por ela? Tentava encontrá-la? Não havia esquecido dela? Nunca tiveram estas respostas. Naquela tarde, sentiu certa tristeza e desapontamento por não terem se visto mais depois do beijo. Marta Confessou para Clarice que ele aparecia em seus sonhos com freqüência e ouvia seus uivos deprimidos, convidando-a para um novo encontro. E pensava consigo, quem sabe um dia...
Marta alimentava realmente vontade de revê-lo. Independente se ele era um lobisomem ou não. A paixão dela seguiu incubada pela vida afora.
Clarice acordou do que parecia ter sido real e seguiu sua rotina. O dia chuvoso e o bate-papo com a colega Fiorela.
O assunto lhes rendeu uma boa conversa e até esqueceram-se da chuva, da lama e das roupas encharcadas. Afinal tinha sido só um sonho.
Sem mais nem menos, passaram as duas sonhar também com a possibilidade de verem aquele lindo lobisomem. Quem sabe em um outro sonho, ou em algum passeio pela cidade. Como se diz o velho ditado, quem procura acha.
E iriam encontrar... Talvez não no sonho.

Rosi Caobianco
Setembro/2009