25 de novembro de 2009

O mistério do poço



Conto:

O mistério do poço


“Vende-se casarão estilo barroco”. Este era um anúncio que permaneceu na seção classificados durante meses e não havia meios de substituí-lo das páginas de compra e venda de um jornal de uma pequena cidade. A placa de “vende-se” do imóvel, já danificada pelo tempo, seguiu mesmo caminho da depreciada casa que começava a ruir. Era perceptível o quanto vinha sendo ignorada, era como se fosse uma punição pelos boatos de um suposto crime acontecido ali há décadas atrás.
A pintura estava desgastada, musgo por toda parte e tinha uma penumbra de energias negativas, nitidamente sentida por quem ali circulava. A banca de jornal em frente, também estava desativada, parecia fazer companhia com o abandono do local.
Um mistério sempre rondou aquele imóvel. Há quem diga que à noite ouve-se um choro de criança. Desconfiam que permaneça ali uma história interrompida. Para os supersticiosos, a casa é sinistra. Pensam que durante o inverno não há o que temer, fica apenas sombria. Só no verão é que a casa se torna um pouco mais assustadora. É como se o verão acordasse os mortos e os incentivasse a vagar ao do luar.
O que quase ninguém imagina é que ali ainda mora um antigo empregado da família Demistein. Idoso, Clébis vive sozinho de recordações e seu apego ao local. Depois da morte dos patrões, algo não o deixava partir. Fiel, permaneceu na casa como se quisesse ainda proteger os antigos donos.
Clébis ficou enraizado naquele lugar, como as inúmeras árvores do quintal, acompanhado do anjo da morte.
Um tanto quanto perturbado com o passado daquela família, dizia aos corretores de imóveis ou quem aparecia por lá: “Vá direto ao poço!”.
Era como se quisesse alertar para uma tragédia, mas ninguém dava crédito a ele. Tinha aparência e atitudes de alguém que estava fora de seu juízo, mas Clébis tinha esperanças de que alguém um dia o ouvisse e verificasse aquela cavidade abertano solo. Sua idade avançada, não permitia que descesse e verificasse aquele poço. Tinha certeza que a caçula Meg, como era chamada, sobreviveu ao cair lá, no dia em que completou seis anos de idade.
Clébis a ouvia cantar e às vezes chorar, nas noites de verão.
Clarice era mãe de Meg, no dia do acidente havia se desentendido com marido. Discutiram junto ao poço e acidentalmente o marido tropeçou, caindo por cima dela, derrubando-a no poço. Meg queria salvar a mãe e escorregou também. O pai, Arthur, transtornado, tentou salvá-las, jogou uma corda tão rápido quanto pode e foi para o fundo e desceu, mas também não mais voltou.
Um grande mistério permanecia naquela casa amarela. O estilo barroco de sua edificação tinha sua história, pois vinha acompanhando várias gerações de artistas plásticos. O pai de Arthur foi um renomado escultor, primo da madrinha de Clarice, uma pintora impressionista, um movimento artístico surgido na pintura européia, no século XIX. Clarice era fã de Claude Monet. Inspirava-se em vários trabalhos do artista ao fazer seus esboços, ambos adoravam pintar flores nos jardins como as ninféias, de Monet.
Inspirado neste cenário, Arthur tornou-se um introspectivo escritor. Saboreava-se com os textos de Cervantes, romancista, dramaturgo e poeta espanhol. Muito conhecido pela obra “Dom Quixote de La Mancha”. O escritor ficcionista inspirou-lhe muitos textos realistas. Dom Quixote tinha um fiel amigo, o Sancho Pança, do mesmo modo que Arthur contava com a amizade de Clébis, do qual suas aventuras amorosas eram desmentidas toda vez que a esposa desconfiava de algo.
A obra de Cervantes foi estruturada também numa contextualização barroca delimitada entre a fantasia e a realidade. O presente e o passado faziam de ambos, Cervantes e Arthur, parceiros de seus contrapontos do que seria o ideal intervindo em seu presente, ou melhor, em seu casamento.
Arthur era um sonhador, nunca tinha sido um realizador. Somente fazia planos e não os concretizava, o que deixava Clarice incomodada e descontente. E dali partia os dilemas e desentendimentos do casal.
Clébis vivia em meio a este dilema de desajuste familiar, mas adorava aquela família como se fosse a sua própria. Trazia dentro de si a amargura de terem desaparecido e suas histórias interrompidas tragicamente.
A menina Meg fora sua pupila, dava-lhe total atenção, contava-lhe causos, amava-a realmente. Sonhava com ela frequentemente como se quisesse trazê-la de volta. O afeto era tão suntuoso que o deixava sem ar, da falta que faziam em seu dia-a-dia. Sentia-os presentes ainda na casa.
Clébis esperava o anoitecer ansiosamente. Era sempre a oportunidade de vê-los novamente. Conversava com todos em seu imaginário, ou quem sabe permaneciam presentes ali.
Este caso nunca foi solucionado. Não foram encontrados os corpos. Simplesmente foram engolidos pelo poço. Somente Clébis sabia onde estavam.

4 comentários:

  1. Olá Rosi,
    Gostei sim do conto. Eu gosto quando tem envolvimento histórico e isso você soue usar muito bem. Enriqueceu a história.
    E o suspense está na medida certa.
    adorei.
    Claro que pode divulgar no tinta rubra e adorável noite.
    Escreva sempre.
    Adriano Siqueira

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  2. Uau!!!!
    Muito bacana, Rosi!
    O título, a foto, as referências artísticas e literárias...
    Continue produzindo e encantando!
    Beijos,
    Fabi

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  3. Uau !!! Muito legal o blog e continue escrevendo sempre assim. Estamos com saudade lá na Oficina da Realejo. Um abraço literário, Paulo Mauá

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  4. Rosi, não pode ficar escondidinha escrevendo, tem que levar seu material para seus leitores cativos do Laboratório do Escritor. Parabéns e segue em frente. Beijos, Eliana

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