25 de novembro de 2009

A resposta do dilúvio



Conto:

A resposta do dilúvio

O gerente comercial Felipe Marcelino graduou-se em Administração de Empresas. Era o sonho de o seu pai ver os filhos encaminhados na vida. Felipe cresceu ouvindo histórias contadas pelos pais e nunca imaginou que uma destas poderia fazer parte de sua vida. Já adulto, com trinta e cinco anos, nunca quis casar, sempre tinha uma namorada, mas seus relacionamentos nunca davam certo.
Um dia, levou uma delas passar um final de semana em sua casa de praia. Depois de mostrar a casa, no quintal, apresentou-lhe uma frondosa figueira. Explicou-lhe o porquê de sua ligação com aquela planta.
A imponente árvore foi plantada no mesmo ano em que Felipe veio ao mundo. Orgulhoso a descreveu-a como uma Ficus, da Família Moraceae, composta de 61 gêneros e mais de 1000 espécies, muito bem representada no Brasil. E esta, uma Ficus elastica. Também conhecida por falsa-seringueira ou figueira-branca. Ouviu isso do pai a vida inteira e nunca mais se esqueceu de como deveria apresentar a sua figueira. Foi uma homenagem que o pai fez a ele quando nasceu.
O que não sabia era que em algumas culturas, havia um mito desta planta transmitir azar e energias negativas.
Damaceno Marcelino o patriarca, teve três filhos, duas meninas e um menino. Para cada filho plantou uma muda diferente de árvore e o nascimento de Felipe estava ali representado naquela figueira . Ela tornou-se imponente e majestosa, mas sem querer, reavivou um grande mistério.
Durante as temporadas de verão passadas no litoral, Damaceno nunca se preocupou com a previsão do tempo nas férias. Somente queria descansar do desgastante ano letivo como professor universitário. Começou a prestar mais atenção na meteorologia depois do que pareceu ter sido uma tempestade e causou a maior balbúrdia em sua propriedade. A tal chuva, veio como um dilúvio e deixou o quintal da casa à mercê das águas e completamente alagado. Ocasionou com isto o desmoronamento dos muros, para escoar a água represada.
A preocupação da família consistia exatamente na figueira de Felipe em frente à porta da cozinha. Uma ossada apareceu entre suas raízes depois desta chuvarada que durou semanas. Talvez o mau tempo quisesse desenterrar um passado que parecia ter sido escondido a sete chaves.
A polícia foi chamada para verificar o achado. Damaceno não fazia idéia de quem era o corpo encontrado e junto à perícia técnica avaliaram que o mesmo poderia estar enterrado ali há mais de quarenta anos. Concluíram que as raízes da árvore se avolumaram tanto que foi envolvendo o cadáver e sem querer deixando-o mais a mostra na superfície arenosa. Era como se estampar aquela realidade enterrada há muitos anos.
Ano após ano, a figueira foi deixando saliente sua enorme raiz para fora da terra. O grande volume de água represada carregou boa parte do solo arenoso concentrado a sua volta. A cova não devia ter sido muito funda quando enterraram aquele corpo, concluíram.
Damaceno comprou a tal propriedade quando se casou com Maria Tereza. Construíram uma casa de veraneio modesta na época e foram ampliando a edificação com o passar do tempo. Nunca suspeitaram de nada. Sabiam que o antigo dono era um homem de idade avançada e que vivia só desde que a esposa falecera depois de um ataque do coração. Petrônio Pontes possuía dois terrenos, um com a casa em que morava e outro onde cultivava um belo canteiro de flores, e árvores, de onde raramente se distanciava. Só vendeu a propriedade porque também adoeceu e ficou impossibilitado de cuidar de tudo. Parecia que a tristeza tomou conta dele ao ter que afastar-se de sua moradia. Morreu algumas semanas depois. Foi como se o infeliz tivesse sido se separado do elo que o mantinha vivo.
A resposta que a perícia técnica esperava ouvir só poderia vir do antigo proprietário, mas como ele já era falecido, não tinha mais a quem recorrer. Supunham que o corpo tenha sido da esposa de Petrônio, pois correspondia ao de uma mulher. Não existiam registros com o nome dela em cemitérios da cidade nem de túmulo com a inscrição de Inezita Pontes, apenas uma certidão de nascimento e casamento no cartório local e atestado de óbito registrado no hospital.
Os poucos conhecidos que permaneciam ainda vivos diziam que Petrônio e Inezita viveram um amor como nunca descrito. O carinho com que se tratavam era contagiante, falou o velho pescador do vilarejo, um jovem naquela época. “Toda vez que apareciam por aqui nos barcos para comprar peixe fresco, vinham de mãos dadas”, disse Clemente. Nunca mais ouvi falar deles.
Este caso na verdade, ficou sem respostas concretas, não tinham como comprovar. Existiam apenas comentários e suposições. Os mais supersticiosos achavam que Petrônio Pontes fora enterrado longe da esposa e ele agora estava sugerindo, ou melhor reivindicando como podia, dentro das circunstâncias de pós-morte que Inezita fosse enterrada ao lado do marido.
O corpo da mulher foi encontrado no quintal de Damaceno, no mesmo dia que foi constatada a morte de Petrônio e por coincidência, no mesmo horário do atestado de óbito registrado no hospital. Até parecia que Petrônio tinha um pacto com a mulher de viverem para sempre um ao lado do outro, vivos ou mortos.
Damaceno alimentava também este pensamento e solicitou a remoção dos ossos do seu quintal para o cemitério da cidade. Solicitou junto aos órgãos competentes do município que a ossada fosse enterrada em uma tumba , ao lado, no túmulo de Petrônio Pontes, marido da suposta morta.
Para simbolizar a morte deles, Damaceno plantou outra figueira, à beira mar e nos dias de maré alta, a água verde subia até a figueira gigante e vinha varrendo todo aquele passado que ficou enterrado no cemitério da cidade, levando a paz eterna a Petrônio e sua amada Inezita. Selou desta forma, aquela história de cumplicidade em uma placa cravada à base do caule da árvore: “Aqui jaz um grande amor – Petrônio e Inezita”.

2 comentários:

  1. Amei essa história, Rosi!
    Tem a aura fantasmagórica que tanto aprecio no seu estilo e uma história de amor desenhada no plano de fundo. A imagem das árvores é poderosíssima, muito próxima aos contos populares. Parabéns!!!! Quero mais!!!!
    Beijos,
    Fabi

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  2. Eu tive a oportunidade de ouvir esse texto lido pela própria autora... Rosi, o blog está muito bonito, mantenha-o assim, e continue a desenvolver sua habilidade com a literatura fantástica. Sua iniciativa é um incentivo a todos!

    Beijos

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