29 de outubro de 2009

A espera do reencontro



Conto:

A espera do reencontro

O dia começou chuvoso no sítio Santa Marta. Clarice estava com treze anos e preparava-se para ir à escola em uma condução escolar cedida pela prefeitura. Diariamente o veículo, se é que poderia chamá-lo assim, apanhava um grupo de adolescentes e levava-os à escola municipal. Poderiam inscrever-se em maratonas de tanto que andavam todos os dias.
Clarice caminhava quase dois quilômetros até o ponto de parada do ônibus, onde se encontrava com alguns colegas. Ficavam parados na porteira de um sítio vizinho, para levá-los à escola. Felizmente podiam contar com aquele transporte para chegarem ao colégio na cidade. Já no ponto, observou seus pés enlameados. Estava encharcada também e pensou na bela maneira de começar o dia.
Junto ao grupo, esperaram alguns minutos e lá veio ele, capengando para apanhá-los. O velho Ford havia sido doado pelo antigo prefeito para favorecer aquela comunidade ribeirinha.
O ônibus mal conseguia andar de tão ruim que estava o seu estado de conservação. Os bancos eram horríveis, faltavam alguns cintos de segurança e tinha uma pintura tão ruim que não dava para definir sua cor original. Era de um amarelão, quase em tom de ferrugem pelo seu estado deteriorado. O motor soava barulhento e chiava todas as vezes que o motorista, o Sr. Carlão, freava o dito cujo.
Clarice gostava de sentar-se com Fiorela no último banco. Eram quase da mesma idade, se identificavam em vários assuntos e conversavam até chegarem à escola.
Neste dia especialmente, Clarice contou a Fiorela o sonho que tivera durante a noite. Havia sonhado com um lobisomem. No sonho, encontrava-se em um alojamento de uma determinada excursão. Lembrou-se de que estavam reunidos em grupos naquela noite de lua cheia. Ao seu lado, um belo garoto se aproximou dela e da amiga. Parecia pálido e muito magro. Sua amiga Marta logo puxou conversa com ele. Chamava-se Paulo e tinham quase a mesma idade.
Clarice observou atentamente os jovens presentes deste final de semana organizado pela escola. Meio desconfiada com as novas amizades, manteve-se distante de novos relacionamentos. Paulo e Marta conversaram boa parte noite, até recolherem-se para seus quartos. Ele acompanhou as duas até o alojamento delas e marcou um novo encontro para o outro dia. Marta estava visivelmente empolgada.
Cismada, Clarice tentou aconselhar a amiga de que nem bem o conheceu e já tinham marcado outro encontro. Não gostou muito disso, mas não podia fazer nada. Marta nem lhe deu ouvidos, estava motivada em vê-lo novamente.
Encontraram-se no almoço do dia seguinte. Clarice percebeu que eles ficaram de sair mais tarde, para dar uma volta só os dois. Iriam andar pelo bosque que rodeava aquela colônia de férias. Neste dia, ele completava treze anos.
Marta percebeu que Paulo estava mais pálido que na noite anterior. Logo que o viu no almoço, perguntou se ele estava bem. Pediu para que ela não se preocupasse e respondeu que sim. Não tocaram mais neste assunto. Saíram no final da tarde, conversaram e se conheceram melhor. A química já estava maior entre eles. Marta só falava sobre Paulo para Clarice. Ficaram de se ver a noite também.
Marta e Paulo saíram para caminhar novamente. A noite estava linda e uma bela lua fazia companhia a eles. Sentados à beira do lago, beijaram-se. Foi o primeiro beijo de Marta. Dificilmente ela se esqueceria deste momento.
Logo veio o toque de recolher e a garotada seguiu novamente cada um para o seu alojamento. Nesta noite especialmente, Marta e Clarice ouviram lobos uivar. Não conseguiam pegar no sono, além da conversa que seguia solta, o barulho intimidador dos uivos não as deixou dormir. Parecia bem próximo de suas janelas. Estavam um pouco temerosas e não tiveram coragem de abrir a porta.
Ao amanhecer, perceberam pegadas próximo da janela, do quarto onde estavam. Paulo não apareceu neste dia. Marta ficou triste, mas mesmo assim interagiu nas atividades da colônia de férias. Sentindo falta de Paulo, perguntou por ele e disseram que ele havia ido embora. Desapontada, disse para Clarice que ele deveria pelo menos ter se despedido dela.
O tempo passou e nunca mais se viram. Um belo dia, depois de um bafafá na cidade, correu um boato de que Paulo, o garoto do acampamento, de tempos em tempos transformava-se em lobisomem.
Diziam que tudo havia começado quando ele completou treze anos, em uma noite de lua cheia. Comentaram também que ele vagava pela região e pelos pátios das igrejas, vilas e encruzilhadas. Por onde ele passava, açoitava os cachorros da vizinhança. E para sua surpresa, os muros começaram a aparecer pichados com o nome “Marta”. Parecia que eram escritos com sangue pelo tom da tinta vermelha. As más línguas diziam que aquele garoto nunca havia sido batizado.
Sem poder acreditar, Marta correu para contar para Clarice. Será que ele procurava por ela? Tentava encontrá-la? Não havia esquecido dela? Nunca tiveram estas respostas. Naquela tarde, sentiu certa tristeza e desapontamento por não terem se visto mais depois do beijo. Marta Confessou para Clarice que ele aparecia em seus sonhos com freqüência e ouvia seus uivos deprimidos, convidando-a para um novo encontro. E pensava consigo, quem sabe um dia...
Marta alimentava realmente vontade de revê-lo. Independente se ele era um lobisomem ou não. A paixão dela seguiu incubada pela vida afora.
Clarice acordou do que parecia ter sido real e seguiu sua rotina. O dia chuvoso e o bate-papo com a colega Fiorela.
O assunto lhes rendeu uma boa conversa e até esqueceram-se da chuva, da lama e das roupas encharcadas. Afinal tinha sido só um sonho.
Sem mais nem menos, passaram as duas sonhar também com a possibilidade de verem aquele lindo lobisomem. Quem sabe em um outro sonho, ou em algum passeio pela cidade. Como se diz o velho ditado, quem procura acha.
E iriam encontrar... Talvez não no sonho.

Rosi Caobianco
Setembro/2009

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