29 de outubro de 2009

Sessão da meia noite



Conto:

Sessão da Meia Noite

Convites foram distribuídos para o “Black & Red Day”. As grandes portas do teatro iriam abrir às onze da noite. Calma, gente, não empurra, gesticulava Georges, o fã número um do ator Theo, o vampiro. Empolgados, os convidados não conseguiam controlar a ansiedade enquanto aguardavam na fila para entrar no Teatro Constantinopla. No primeiro andar, serviam um coquetel para promover o lançamento de produtos e também a divulgação da peça para os meios de comunicação.
A apresentação estava marcada para iniciar exatamente à meia noite. O cenário tinha sido idealizado especialmente para este encontro com o público. Câmeras de televisão, fotógrafos, jornalistas e organizadores do evento, andavam de um lado para o outro. Estavam preocupados em registrar e atender os apreciadores do suspense e do terror.
No hall de entrada, foram diversos drinks em cálices vermelhos com líquidos borbulhando. Tudo ostentava grande riqueza de detalhes na decoração, o que deixava o evento mais enigmático.
Durante o happy hour, aconteceu também o lançamento do perfume “Blood”, elaborado com uma fragrância indecifrável, mas de um agradável aroma floral. Convidados compareceram caracterizados em roupas pretas e exibiam-se com sangue falso escorrido em seus corpos. Parecia Halloween, o dia das bruxas.
A sinergia tomou conta do ambiente e a conversa seguiu animada até dar início ao espetáculo. Foram contratados figurantes e estes desfilaram com longas capas escuras, pretas por fora e vermelhas por dentro. Também usaram capuzes pretos pontiagudos que desciam pelos rostos e apareciam apenas os olhos. Seguravam grandes candelabros, com três velas vermelhas acesas. A penumbra do ambiente dava exatamente a sensação de um filme de terror.
Os observadores precisavam de esforço extra para distinguir o que havia de real nas caracterizações dos convidados presentes. Alguns vieram portando máscaras e deixaram de revelar suas identidades.
Em nada havia conexão com a realidade, mas o objetivo era exatamente este, deixar os pensamentos imperfeitos aflorarem, bem como seus instintos selvagens. Compareceram grupos pertencentes a diferentes seitas.
Lindas modelos desfilaram em vestidos estilizados e complementavam com lentes de contato vermelhas. Sorridentes, distribuíram amostras do perfume em pequenos frascos pretos em formato de um crânio.
O som ambiente estava composto somente por músicas clássicas. O som mais tocado foi o de Beethoven, com a sinfonia número cinco e também, a de número oito. Não se podia negar o bom gosto entre as incursões fantasiosas.
A sineta sinalizou a primeira chamada para o espetáculo. No terceiro toque, as portas junto ao palco foram fechadas para dar início à apresentação. O público acomodava-se em suas poltronas, na platéia e nos camarotes. No palco, as cortinas continuaram fechadas para manter o suspense.
Em seguida, uma composição de Tchaikovsky. Começou a tocar Romeo&Juliet e as cortinas se abriram. Na apresentação, Theo incorporava o personagem de um vampiro e posicionou-se junto aos outros atores. Talentosos, fizeram interpelações com pessoas e interagiam o contexto da peça com o público. Vinham até eles e circulavam pela platéia. A apresentação foi um sucesso e ao final os atores foram aplaudidos de pé.
Novamente no hall, alguns convidados circularam como zumbis, pálidos e de olhos inexpressivos. Os drinks fizeram o efeito premeditado.
Quase ninguém percebeu, mas verdadeiros vampiros circulavam por ali anonimamente. Vlad, o Drácula, também estava por lá. Vlad nasceu em 1431 na Transilvânia. Nessa noite, ele estava ansioso por aquele banquete de gente nova, assim como seus descendentes e amigos que o acompanharam nesta visita. Transitaram entre a multidão sorrindo de modo cortês e aguardavam uma oportunidade para abastecer suas reservas de sangue. Para eles, o evento estava memorável. Sabia que não precisaria correr atrás de ninguém, muito menos implorar por gotas de sangue, já que poderiam escolher as presas de suas preferências.
Os devaneios aconteceram depois da bebida distribuída e da essência de flores silvestres espalhadas no ar. Sem se darem conta, alguns deliravam ou adormeciam pelos cantos do salão e outros andavam em transe.
Enfileiravam-se frente aos verdadeiros vampiros. Queriam chegar ao êxtase e extravasar. Esta era a chance de deixarem aflorar o que estava enrustido em suas mentes. Seus corpos pediam por aquelas emoções.
Os vampiros convidados haviam combinado anteriormente que não matariam nenhum de seus escolhidos, apenas se divertiriam e saciariam a sede de sangue.
O sucesso era perceptível, pelos comentários e expressões maravilhadas.
A festa chegou ao final. O dia já estava amanhecendo. Os primeiros raios de sol brilharam nas janelas e os vampiros reais se retiraram como em um passe de mágica. Restaram apenas os figurantes e alguns convidados.
O público recobrou a consciência aos poucos e começavam a deixar o local como se nada de estranho tivesse acontecido. Retiravam-se sem se dar conta da realidade que ali viveram. Por ironia, sentiam-se satisfeitos com a diversidade de espécimes, vistos nessa noite.
Theo, como ator principal, estava radiante com o sucesso do evento. Ouviu vários comentários favoráveis. Distribuiu autógrafos a quem o procurou e aproveitou para homenagear seus fãs.
Com um carimbo todos receberam em seus pescoços marcas de dois dentes e sangue escorrido devido a cor de tinta vermelha. Presenteou-os também com uma mini-agenda para datarem novos encontros vampirescos.
Saíram com a promessa de um reencontro com Theo, Vlad e os outros vampiros. Possivelmente, em outra sessão da meia noite.

Rosi Caobianco
Outubro/2009

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